27 setembro 2006

Investigando as noções de gênero e formato

Tão polêmica e variável quanto a noção de gênero é a diferenciação desta com tipo, modo e formato. Hoje, mais do que nunca. Talvez pelas implicações conceituais que trouxeram as medias digitais. Na literatura, é clássico o artigo "Genres, 'types', modes" de Gérard Genette (1977). No Brasil, duas pesquisadoras, pelo menos, estão interessadas na diferenciação entre formato e gênero: as professoras Irene Machado (PUC-SP) e Elizabeth Duarte (UNISINOS-RS), que já trabalhou com as noções como sinônimos (em “Televisão: entre gêneros/formatos e produtos”, 2003), mas, agora, está preocupada com a diferenciação.

Tivemos o prazer de receber da professora Irene seu mais novo artigo, apresentado na última Intercom, em Brasília. Com o título, “Gêneros e/ou formatos? Design de linguagem mediada” (ainda não está publicado), o artigo defende a noção de formato como “design de gênero”. De tão instigante e substancial, o artigo nos incentivou, quase que nos forçou, favoravelmente, a produzir um texto, ao menos, intertextual e hipertextual (na acepção de Genette).


A tese


O termo formato, nos estudos da Comunicação, está associado a duas medias: televisão e rádio. Diz-se que o termo é nomenclatura própria a esses meios. O campo pragmático trata como formato, a telenovela, o talk show, a minisérie. O formato, como explica a professora Irene, se consagrou na cultura letrada como manifestação de gênero, com o qual é confundido ou, em relação ao qual se procura compreender por uma classificação.

Depois de mapear o percurso da noção de formato, origem e campos mais freqüentes, a semioticista apresenta sua tese: “(...) Por isso estamos defendendo aqui que o formato não configura diretamente um gênero, mas o design de gêneros – a mais elaborada forma de alcançar a semiose da comunicação. (...)”. Isso quer dizer que o gênero discursivo é da ordem da língua (tipos relativamente estáveis de enunciado, Bakhtin), ao passo que o formato é da ordem das linguagens modelizadas pelos códigos culturais tecnológicos.

“(...) Fora do ambiente semiótico da codificação tecnológica, o formato simplesmente não pode ser concebido. Os gêneros, ao serem redesenhados no contexto da mediação tecnológica, revelam a face metalingüística do formato: para criar linguagem é preciso processar linguagens e gêneros. Logo, o formato é uma noção que leva em conta todo um ambiente ecológico: a mídia (o sistema), os códigos (as linguagens) e as interações possíveis (as semioses). Fora dessas disponibilidades de caráter ecológico, o formato não existe” (penúltimo parágrafo).

Irene Machado sugere, então, uma definição que situa o formato no nível do dispositivo mediático (como o lugar onde se revelam os regimes imanentes, relativos ao sistema semiológico, ao sistema de transmissão e estocagem, ao nível de interação, à relação tempo-espaço, à rede técnica do qual faz parte e aos valores culturais associados). Ou seja, o formato seria a configuração da materialidade discursiva, condicionada pelo dispositivo.


Situação Comunicativa


Se está correto o que compreendemos, está subentendido que um gênero discursivo pode ter mais de um formato. Mesmo que mudem a mídia, os códigos e as interações possíveis, isso não implica, necessariamente, em outro gênero, por que o gênero é da ordem das situações comunicativas recorrentes (tipos estáveis, mas dinâmicos, como diz Bakhtin).

Uma situação comunicativa é compreendida por condições de realização, extralingüísticas - finalidade, identidade (estatuto) dos participantes, domínio do saber (campo, em que se institucionaliza a rotina produtiva) e dispositivo – e intralinguísticas – modo do discurso. A conseqüente dedução seria: se o conjunto de condições se repete (princípio da regularidade), então, tem-se o mesmo gênero. Mas esta dedução é simplista. Pelo menos, por um motivo: seria pressupor que as condições de realização têm o mesmo nível de importância na configuração do gênero.

Exemplo hipotético. Um texto informativo (finalidade) assinado por sub-editor (estatuto) de Política de instituição jornalística (domínio do saber) e publicado em revista impressa semanal (dispositivo). Poderíamos chamar de reportagem, comparada com: um texto informativo de sub-editor de Política de instituição jornalística publicado em jornal diário. Reportagem, notícia, nota ou entrevista? Segundo as condições acima, só não poderia ser entrevista, pelo seu modo de discurso. Sem problema para as teorias no campo jornalístico, pois seria o gênero informativo.

No exemplo, mudamos o dispositivo (revista, jornal diário). Ou seja, no conjunto, mudou uma condição, mas o gênero parece se manter. No entanto, a entrevista, considerada gênero informativo, destrói a afirmação anterior. Embora a finalidade da entrevista seja informativa, o modo discursivo da entrevista não é nem descritivo, nem narrativo, nem argumentativo, nem enunciativo. Das duas, uma: ou os modos de discurso estão mal definidos; ou o modo de discurso é condição forte na configuração do gênero.

O que tem tudo isso a ver com formato? Se formato leva em conta mídia, códigos e interações possíveis, deve levar em conta também uma categoria como “modo do discurso”. E se, nem todas as condições da situação comunicativa se repetem, não seria razoável considerarmos estar diante de outro gênero? Se não, quais as condições de realização definidoras de gênero, seu mapa de hierarquia e se alguma condição está aí esquecida.

1 comentários:

Anônimo 12:39  

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Site dedicado ao estudo dos gêneros jornalísticos. Criado durante nossa tese de doutorado, 2005. Esse novo layout abre um novo ciclo de estudo, pesquisa, descobertas sobre esse tema tão caro à prática jornalística e ao conhecimento sobre o jornalismo.

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