21 setembro 2008

Por uma outra classificação [2]

Neste segundo post, trazemos os slides 12 a 24. Tratam mais especificamente dos critérios sugeridos. Embora tenhamos partido das condições chamadas extralinguísticas (finalidade, estatuto dos participantes legítimos, lugar e momento legítimos, suporte material), tratamos também de elementos intralinguísticos (organização textual), como a lógica enunciativa.


Ao invés de pensarmos a finalidade como uma condição constitutiva da composição discursiva, entendemos a finalidade como um elemento da instituição jornalística (como instituição social legítima). As composições discursivas não têm finalidade, têm lógica enunciativa, que estão, certamente, relacionadas (deve compreender melhor esse tipo de relação) à instituição jornalística.

Isso ocorre porque há uma diferença entre instituição jornalística e organização jornalística (Josenildo Guerra). A instituição é da ordem da normatividade e a organização da ordem da prática cotidiana. Essa diferença é extremamente importante para se compreender o lugar do produto e das composições. Um produto "site noticioso" ou "impresso" tem uma série de composições que não são produzidas (em todas as suas fases) pela organização, como, por exemplo, cartoons ou artigos. Esses, para nós, não deveriam, portanto, ser considerados gêneros jornalísticos.

A lógica enunciativa se relaciona com as finalidades da instituição, como sistemtizados ao longo dos estudos de gênero: informar, opinar e mediar (slide 18). Mas as lógicas enunciativas não são a mesma coisa que as finalidades institucionais. As lógicas enunciativas são formadas pela relação entre: objeto de realidade, compromisso assumido (pelo[s] autor[es]) e tópicos jornalísticos.


Slide 12


Os tópicos jornalísticos são lugares-comuns sobre os objetos de realidade manipulados pelo fazer jornalístico, compartilhados pelos públicos, que autorizam determinadas conclusões. Exemplo interessante são definições de ocorrências como "palco de confrontos violentos", tragédia, revolta. Existem parâmetros intersubjetivos para se dizer que algum fato foi uma "tragédia". São parâmetros como quantidade de vítimas fatais, pessoas feridas que se configuram na formação discursiva e são aceitos intersubjetivamente.

Os compromissos são aqueles assumidos na consituição de um ato linguístico (vem do ato de fala). Para algumas composições, relacionadas à finalidade de informar, da instituição, os atos linguísticos têm que ser assertivos. O jornalista não pode achar ou duvidar de nada, ele deve ter certeza. É preciso ter certeza sobre fatos, declarações, documentos, acontecimentos, dados. Ao jornalista se cobra certeza mesmo sobre aquilo que não se pode saber, como o motivo de uma frenagem brusca de um trem de metrô. Por isso, reúne-se os dados, informações sobre os quais se tem certeza para tentar chegar o mais próximo da situação real. Para cumprir esta finalidade há uma competência exigida, a de procedimento (apuração). Daí acreditarmos que é preciso investir no conhecimento destas competências únicas do fazer-jornalístico.


Slide 13


Os objetos de realidade, sobre os quais falamos no post anterior, constituem elemento importante da formação discursiva, sistematizados aqui para a compreensão de que o fazer jornalístico não trata apenas de fatos e objetos de acordo, mas também de objetos de desacordo. Os objetos de desacordo, como conceitos por exemplo, nos encaminham para o compromisso subjetivo do autor. Por isso, são mais comuns em composições relacionadas à finalidade, da instituição, de opinar.

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A força argumentativa, um critério de definição de gênero de dimensão intralinguística, se dá por uma relação entre o grau de verossimilhança do enunciado e o nível de evidência dos objetos de realidade. A força argumentativa não é o mesmo que objetivo argumentativo, mas como trata Ducrot em sua teoria da argumentação. Consideramos, assim, que existem argumentos de acordo no discurso de produtos jornalísticos como: argumentos por comparação e pelo provável, argumentos pelo exemplo e pela ilustração, argumentos de efeito e de autoridade.

Slide 21

Um exemplo de argumento de acordo são infográficos, como o infográfico animado do Le Monde com as sondagens de opinião na última eleição presidencial da França. Um argumento por comparação que segue parâmetros aceitos, inclusive originados em outras formações discursivas como a ciência política.



O critério que parte do estatuto dos participantes é a identidade discursiva. Pensada a partir de das modalidades enunciativas de Foucault e do conceito de identidade discursiva de Charron e de Bonville, consideramos um dos elementos mais importantes na configuração de um gênero jornalístico. Além do status dos indivíduos e lugares institucionais onde óbtem seu discurso, a relação entre sujeito comunicante, locutor e enunciador é extremamente importante para se compreender quando uma composição discursiva pode ser considerada jornalística e quando não pode.

Slide 22

Um artigo, por exemplo, não deveria ser considerado gênero jornalístico por que é produzido fora da instituição jornalística e não está compelido por nenhuma finalidade desta instituição. O sujeito comunicante (autor) é de outro campo, é, em geral, especialista de outro domínio, mas divide esse lugar com a organização jornalística, por que esta usa a competência de reconhecimento (escolhe) e discursiva (edita). O locutor é o especialista (sua imagem pública) com participação mínima da instituição jornalística (através do nome do veículo, sua marca). E o enunciador é apenas o especialista, o único a deixar vestígios na materialidade da composição. Este jogo da identidade discursiva é muito importante para se compreender até que ponto a instituição jornalística está implicada e, com isso, quais as competências empregadas e poderes associados.




Slide 23

Por isso, neste momento, acredito que o único gênero opinativo da instituição jornalística é o editorial, por que é apenas nesta composição que o sujeito comunicante é a própria instituição jornalística através de sua marca, já que, em geral, o sujeito comunicante é desconhecido. Nestes casos, a instituição jornalística é sujeito comunicante, locutor e enunciador ao mesmo tempo.

O último critério, que partiu do elemento suporte material, são as potencialidades do médium (Debray). A partir de uma comparação com pensadores dos dispositivos e mídias, McLuhan, Debray, Mouillaud, Lev Manovich, Echevérria, Bardoel e Deuze, Palácios, analismos as propriedades/potencialidades mais importantes das mediasferas na configuração de gêneros discursivos. Neste momento, acredito que os sistemas semiológicos e a rede de transmissão e estocagem de um médium (mediasfera) são os elementos mais importantes na diferenciação de gêneros porque implicam construções narrativas diversas. Ter como fio condutor o áudio ou a imagem em movimento é diferente de ter o texto escrito. No entanto, defendemos que estas potencialidades devem ser confrontadas com os outros critérios (identidade discursiva, lógica enunciativa e força argumentativa) para se dizer que uma mudança de código semiológico é uma mudança de gênero discursivo próprio de um domínio (jornalismo).







Slide 24

Ps: Assim que terminarmos a revisão final da tese (com modificações nas conclusões) disponibilizaremos nossa tese em pdf. 


15 setembro 2008

Por uma outra classificação

Este é um post resumo da minha tese. Além disso, uma referência às principais questões que giraram em torno da defesa.


Aproveito para agradecer a todos aqueles que por mensagens e comentários me incentivaram nesta pesquisa e à banca que me deu grandes contribuições. Agora, pouco mais de 15 dias de defendida, ainda com revisões importantes a fazer antes do depósito, acredito ser uma obrigação com meus colegas, estudiosos, parceiros e amigos trazer aqui um resumo deste trabalho sobre gêneros jornalísticos.

A pesquisa teve como corpus três produtos de mídia impressa (tradicional) e mídia digital (nova ). Estudamos Le Monde e Lemonde.fr, El Mundo e Elmundo.es e Folha de S.Paulo e Folha Online. Acompanhamos os 3 primeiros meses de 1997. Selecionamos 4 editorias - internacional/mundo, cultura/ilustrada, cidade/sociedade e política/nacional. 

Entretanto, partimos dos grupos de ocorrência, ou seja, de eventos segundo suas características, seguindo a divisão de Gaye Tuchman quanto a eventos noticiáveis - mega-acontecimento, hard news, developing news e continuing news. Selecionamos 4 grupos de ocorrências: eleição presidnecial da França (2007); o massacre no campus de Virginia Tech; incidentes nos metrôs de Paris, São Paulo e Madrid; e exposições de artes plástica.

Conceito

A tese defende que os gêneros jornalísticos são enunciações relativamente estáveis, ao invés de enunciados relativamente estáveis (Bakhtin).

Sugerimos, ao final, quatro principais critérios para se definir um gênero da atividade jornalística. Essas dimensões são dimensões extralinguísticas da ordem de participantes, lógica enunciativa e potencialidade do médium (Debray) (no Slide 3). Ou seja, estamos sugerindo que um gênero se forma, na atividade jornalística do jornalismo de atualidade, quando uma dada configuração dessas dimensões se repetem e acabam por se institucionalizar. 


Finalidade

Sempre se acreditou que a finalidade era "o" critério para se dividir, classificar, compreender um gênero jornalístico. Nós entendemos que a finalidade não é da composição discusiva, mas sim da instituição jornalística. É nesta dimensão que se deve pensar a finalidade/função. As composições têm lógicas enunciativas que estão relacionadas a estas finalidades, mas as finalidades são aquelas reconhecidas pela comunidade discursiva (Swales, Maingueneau) como tal.


Competências do jornalismo

Nesta pesquisa, destacamos a importância das competências jornalísticas. A partir das sistematizações de Traquina (por autores norte-americanos), Lage (Grice) em comparação com sistematizações de Rosenstiel e Kovach, Meyer, destacamos a importância de se levar em conta, na lógica enunciativa, as competência empregadas na produção de dado "gênero"* : 1) competência de reconhecimento, 2) competência de procedimento, 3)competência discursiva e 4) competência de domínio.

Noção transmidiática

Defendemos uma noção trasmidiática, que deve ter em conta o domínio (jornalístico). Uma noção que explique se considerar uma entrevista como gênero de impresso, rádio, tv ou produtos digitais. Se o "dispositivo prepara para o sentido" (Mouillaud), não se pode dizer que o dispositivo modifica o gênero se ele modificar, por que o que forma o gênero são as regularidades dessas dimensões extralinguísticas, constituindo uma dada composição de identidades discursivas, lógicas enunciativas, forças argumentativas e médium.

Formatos

Por isso, defendemos que alguns formatos podem ou não virar um gênero. É preciso que as essas dimensões se mantenham regulares para que se considere um gênero discursivo de uma dada formação discursiva. Um vídeo (exemplo) é um formato que nunca será um gênero jornalístico. A principal razão é que um "vídeo" não tem unidade composicional que dá conta de uma notícia, uma idéia. Um vídeo é um formato sem de imagens em movimento sem unidade composicional**.


Objetos de realidade

Os objetos de realidade são a matéria-prima do jornalismo. A grande maioria dos estudos do jornalismo trabalham com a concepção de que a prática jornalística trata apenas de fatos (ocorrências passadas). Os acontecimentos podem estar em ocorrência ou terem um dado grau de probabilidade de ocorrer, ou seja, acontecimentos possíveis, prováveis, previsíveis. Há um motivo simples para esta variedade da matéria-prima do jornalismo: a realidade é feita desses mais variados objetos. 

A realidade inclui desde o que é verificável pela simples observação, os chamados "objetos de acordo" de fácil comprovação, como fatos passíveis de constatação intersubjetiva pela simples presença, "objetos de acordo" que não são pasíveis de verificação, como "verdades" de saberes científicos, até intenções de declarações, objetos abstratos impossíveis de se verificar e mesmo de se alcançar acordo. Esta sistematização de objetos de acordo e de descordo foi realizada a partir do Tratado da Argumentação (Perelman e Olbrechts-Tyteca).

Verificação

Há uma idéia de que todo objeto tratado pela atividade jornalística tem a qualidade de verificação (QV), ou seja, pode ser verificado por parâmetros do saber comum ou dos saberes científicos. Por isso, funciona um elemento na determinação da força de verossimilhança de um objeto de realidade realizado no ato comunicativo, o coeficiente de verificação (CV). O CV de um objeto de realidade é medido pelos tópicos universais e pelos tópicos jornalísticos. Essa dinâmica tem ainda um elemento importante do saber jornalístico: o nível de necessidade de verificação (NV). O objeto pode ser passível de verificação, mas não haver necessidade de verificação em dado contexto.

Classificação

A tese procurou compreender essas dimensões que importam na configuração de um gênero. Por isso, não fizemos classificação de composições discursivas.

Abaixo, disponibilizamos 11 slides dos 21 que fizeram parte de nossa apresentação na defesa, dia 29 de agosto no Pós-Com, Universidade Federal da Bahia. No próximo post, a ser publicado ainda esta semana, destacaremos outros aspectos-chave da nossa tese, como as definiçõe de cada um dos critérios, o que estamos trabalhando como tópicos jornalísticos (vem de Charron e de Bonville), força argumentativa (Ducrot), identidade discursiva (Charron e de Bonville e Foucault) e potencialidade do médium (Debray).

Slide 1

Slide 2


Slide 3


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Slide 8



Slide 9



Slide 10


Slide 11



* Quando estivermos usando a palavra gênero com aspas ["gênero"], significa que etamos usando o termo como senso comum na academia. A necessidade de se usar o termo "gênero" se dá pelo reconhecimento do público acadêmico quanto a composições discursivas já institucionalizadas e aceitas intersubjetivamente no meio acadêmico.
** Apresentaremos um artigo sobre essa discussão de formato e gênero no próximo encontro da SBPJor, em mesa coordenada pela professora Thaís de Mendonça e integrada pelos professores: Zélia Adghirni, José Afonso Jr e Demétrio Soster.

Site dedicado ao estudo dos gêneros jornalísticos. Criado durante nossa tese de doutorado, 2005. Esse novo layout abre um novo ciclo de estudo, pesquisa, descobertas sobre esse tema tão caro à prática jornalística e ao conhecimento sobre o jornalismo.

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